sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Os direitos de autor a favor da criatividade ou contra ela?

A Intellectual Property Watch publicou uma extensa entrevista com James Boyle, professor de direito, fundador do Center for the Study of the Public Domain at Duke Law School, e membro da Science Commons. Jams Boyle é também autor de um novo livro, intitulado The Public Domain: Enclosing the Commons of the Mind (disponível em thepublicdomain.org ou aqui como PDF – Já fiz o download do livro que se juntou à minha - cada vez mais longa - lista de coisas para ler). Tive oportunidade de ouvir no ano passado uma excelente Keynote Presentation de James Boyle no Workshop da Science Commons em Barcelona, como referi aqui.

A entrevista foca-se no tema do livro, ou seja a relação entre o domínio público o copyright/ direitos de autor, bem como as consequências do crescimento das limitações associadas à expansão do copyright para a criação de conhecimento e a inovação. A tese central é que não é exclusivamente através da protecção da propriedade intelectual que se encoraja a inovação e a criatividade e se salvaguarda o interesse dos criadores, mas pelo mistura e pelo balanceamento entre a propriedade intelectual e o domínio público.

Por isso, é muito importante que o equilíbrio se estabeleça no ponto adequado, que se perceba onde deve ser colocada a “fronteira”, até onde são necessários os direitos e limitações, e a partir de onde esses direitos e limitações devem parar.

Boyle argumenta, muito justamente, que esse balanceamento deve ser realizado com base em estudos sérios e evidências empíricas, e não apenas em evidência anedótica, afirmações não sustentadas, “senso comum” não testado, ou numa “fé” ideológica sem demonstração – a crença dogmática que o aumento dos direitos automaticamente produz mais inovação e criatividade. O que, como ele sublinha, é errado uma vez que a propriedade intelectual, a nova obra protegida, necessita e baseia-se em trabalhos e materiais anteriores.

Assim, sempre que se protege o trabalho de um criador (output) está-se potencialmente a aumentar os custos do input do trabalho de um outro inovador/criador no futuro (ou no limite a impedir que ele possa usar esse output para produzir novas criações e inovações).

Mais uma vez, será importante definir (através do estudo e da comparação entre várias soluções) o ponto de equilíbrio entre, por um lado, a legítima necessidade de proteger e estimular os criadores de hoje, e, por outro, a indispensabilidade de garantir o acesso aos produtos da criatividade em condições que não dificultem, mas pelo contrário estimulem, a criatividade e a inovação amanhã.

Mas o facto é que, como refere, nos últimos 20 ou 30 anos o copyright/direitos de autor tem-se expandido constantemente (com o consequente prejuízo do domínio público) a nível internacional (WIPO=OMPI) e nacional (EUA e também União Europeia), quase sempre sem qualquer estudo sobre as consequências desse alargamento, sem medir os seus custos e benefícios. Foi o que se passou, por exemplo, com a lamentável Directiva Europeia sobre bases de dados, ou com o alargamento (para 70 anos depois da morte no caso europeu) do período de protecção do copyright/direitos autor (a este propósito, pergunta-se: como pode o alargamento do período de protecção de direitos de autor/copyright estimular a criatividade de autores mortos?).

Como James Boyle recorda, no sentido original do copyright, na tradição jurídica americana que se inicia com Jefferson, ele visa defender, estimular e promover a criatividade e os autores de trabalhos criativos, através de uma espécie de monopólio concedido pelo Estado. Ora esse monopólio foi desde a origem definido como limitado e temporário. O “expansionismo” do copyright nas últimas décadas (baseado na fé dogmática atrás referida), quer no âmbito da protecção e limitações, quer na sua duração, representou de facto o alargamento de monopólios, de uma forma muito menos controlada e verificada que em qualquer outro domínio social e económico.

E isso, longe de representar um mecanismo eficiente para promover o progresso e a criatividade, já se transformou em muitas áreas num entrave ao livre desenvolvimento da ciência e da cultura. Ou seja, a actual configuração e aplicação do copyright/direitos de autor, transformou-se numa barreira à criatividade e inovação, precisamente no oposto do que deveria ser.

Recomendo a leitura desta interessante entrevista (e suponho que o livro valerá também a pena), onde fiquei a saber duas coisas que desconhecia, e que demonstram a tese do James Boyle, de que a propriedade intelectual não é a única forma de promover a inovação e a criatividade:
  1. A IBM, que é empresa do mundo que detém mais patentes, gera mais receitas com os produtos e serviços que comercializa baseados no sistema Open Source Linux, do que com todas as patentes que possui;
  2. O álbum MP3 que vendeu mais em 2008 foi o Ghosts de Nine Inch Nails, que gerou muito dinheiro para Trent Reznor. E esse álbum estava completamente disponível para cópia nos termos de uma licença Creative Commons de uso não comercial.

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